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Bahia pode ser o primeiro estado do Brasil a reconhecer um ofício cultural

Especiais - 23/12/2010
Bahia pode ser o primeiro estado do Brasil a reconhecer um ofício cultural Ofício traduz o modo de ser e viver transformado em característica cultural das mais emblemáticas - Foto: Divulgação

As vésperas do Natal, milhares de estudiosos, políticos, educadores, empresários, produtores culturais, gestores públicos, estudantes ou, somente, cidadãos originários do semi-árido baiano ou que sempre defenderam o reconhecimento e inserção do povo do sertão e da sua cultura nas políticas e mecanismos do poder público, terão o que comemorar. Eles ganham um presente já requerido há décadas por meio de pesquisas, estudos, relatórios e críticas de defensores da cultura sertaneja.

A Bahia pode vir a ser o primeiro estado da União a reconhecer, oficialmente, um ofício cultural. Um ofício que traduz o modo de ser e viver transformado ao longo de 300 anos em característica cultural das mais emblemáticas do Sertão baiano, o Ofício dos Vaqueiros. Entre final de novembro e início deste mês o Conselho Estadual de Cultura da Bahia (CEC, www.conselhodeculturaba.wordpress.com) analisou e aprovou dossiê sobre o Ofício dos Vaqueiros, elaborado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).

Hoje, o dossiê se encontra na Casa Civil para análise final e deliberações do Governador do Estado. Caso a proposta seja sancionada pelo governador por decreto no Diário Oficial do Estado, o Ofício dos Vaqueiros passa a constar no Livro do Registro Especial dos Saberes e Modo de Fazer como Patrimônio Imaterial da Bahia. Além de trazer maior difusão do bem cultural o registro possibilita que essa manifestação passe a integrar a lista de prioridades nos financiamentos de programas e projetos culturais, sejam eles federais, estaduais e municipais.

Autarquia da secretaria estadual de Cultura (SecultBA), o IPAC é responsável pelas políticas públicas do patrimônio cultural e produz dossiês sobre bens culturais, materiais e imateriais, considerados relevantes para o estado, a partir das pesquisas de campo, bibliografias, entrevistas, artigos, jornais e documentos antigos, entre outros arquivos impressos e imagéticos.

Os dossiês justificam e comprovam a importância da manifestação cultural para que o governo estadual a registre como Patrimônio da Bahia. É o caso dos bens imateriais já registrados da Capoeira, Festa de Santa Bárbara, Carnaval de Maragojipe, Festa da Boa Morte em Cachoeira, Cortejo do 2 de Julho em Salvador e, agora, o Ofício dos Vaqueiros. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura já reconheceu ofícios culturais – como o ofício das baianas de acarajé -, mas, segundo pesquisadores, não se tem conhecimento de nenhum estado que tenha feito o mesmo.

DISCRIMINAÇÃO - A maior reclamação de defensores das culturas típicas do Sertão da Bahia é sobre a “discriminação histórica que as manifestações culturais sertanejas” sofrem desde sempre. Para esses críticos, os bens culturais intangíveis da capital e Recôncavo sempre foram mais protegidos, divulgados e priorizados pelos poderes públicos estadual e federal. Alguns estudiosos destacam um pré-conceito perverso que a capital baiana teria exercido em detrimento do interior do estado, do seu povo e da sua cultura ao longo do tempo. “Prova disso, é que ao longo de 400 anos, e até hoje, algumas confederações e representações estaduais ainda exigem em seus regimentos que seus integrantes residam, obrigatoriamente, na capital, não podendo ser residentes de cidades do interior, entre dezenas de outros exemplos”, ressalta o conselheiro de cultura do CEC, Washington Queiroz.

Pós-graduado em antropologia e especializado em etnologia indígena, Queiroz é membro da Associação Brasileira de Antropologia e pesquisador renomado da cultura do Sertão. Ele foi responsável por solicitar ao IPAC a abertura das pesquisas sobre o Ofício dos Vaqueiros e foi o relator do parecer aprovado com unanimidade por todos os conselheiros do CEC.

Para a professora primária Cremilda Santos, hoje residindo na cidade de Juazeiro, extremo noroeste da Bahia, o pré-conceito com o Sertão e interior é tão grande que é reproduzido por toda a sociedade. “Os principais veículos de comunicação que cobrem a Bahia sempre priorizam as notícias da capital e não do interior. Os jornais impressos, por exemplo, só colocam uma página para falar dos outros 416 municípios, que não Salvador”, reclama a educadora.

MUDANÇAS - Contudo, esse pré-conceito pode mudar em função da força financeira e econômica que os municípios estão ganhando na última década e por novas políticas públicas do estado. Segundo indicadores demográficos e socioeconômicos do IBGE e órgãos federais, a década de 2000 apresentou crescimento nunca antes visto das cidades médias brasileiras.

Ocorreu aumento da população, crescimento médio da economia, do PIB industrial, PIOB de serviços, evolução da renda per capita, crescimento do emprego formal e melhoria da educação básica (Índice de Educação Básica - 2007 a 2009). Em geral, são diagnosticadas por cidades médias aquelas cuja população varia entre 100 e 500 mil habitantes. Exemplo máximo na Bahia dessa nova reviravolta é a região oeste da Bahia e a cidade de Barreiras, beneficiados pela agricultura industrial.

Nessa perspectiva, desde 2007, o Governo da Bahia implementa políticas públicas que beneficiam o interior, com ações das áreas de saúde, educação, abastecimento de água e infra-estrutura, como a futura construção da ferrovia oeste-leste. Já na área cultural a SecultBA criou 27 representações regionais responsáveis por cobrir os 417 municípios baianos através dos territórios de identidade nos quais estão inseridos. Seguindo a estratégia, o IPAC realizou de 2007 a 2010 mais de 30 oficinas de educação patrimonial, exposições, debates, visitas, vistorias, orientações, apoios técnicos e obras que beneficiaram cerca de 200 municípios. Ainda são destaques do IPAC os encontros locais, estaduais, nacionais e internacionais promovidos nas cidades do interior baiano, como o 5º Seminário de Arte Rupestre em parceria com a Universidade Federal da Bahia e 3ª Reunião da Associação Brasileira de Arte Rupestre. Ocorridos em Lençóis, ambos os eventos contaram com especialistas brasileiros, franceses e presença da mundialmente reconhecida arqueóloga Niède Guidon. 

Para formação dos dossiês, as pesquisas do IPAC podem durar de seis meses a dois anos, dependendo do tema pesquisado. Para ser reconhecido pelo Estado o bem cultural tem que ter representatividade para a Bahia. As prefeituras são responsáveis por patrimônios de relevância municipal, enquanto o governo federal fica com tutela dos bens nacionais. Mais informações são obtidas no site www.ipac.ba.gov.br ou, através da Gerência de Pesquisa do IPAC via telefone (71) 3116-6741, durante horário comercial, de segunda à sexta-feira, exceto feriados.

Opcional: HISTÓRIA dos VAQUEIROS - Pesquisas de Queiroz apontam que na Bahia, já em 1550, a família do colonizador português Garcia D’Ávila expedia vaqueiros para colonizar e ocupar terras internas do Brasil. Segundo ele, o percurso dos vaqueiros no estado teve dois momentos, o primeiro no século 16 partindo das terras da Casa da Torre, atua localidade de Praia do Forte, município de Mata de São João. Daí, essas expedições atingiam os rios Jacuípe, Itapicuru, até o Paraguaçu e Rio de Contas, formando pontos de encontro nas feiras e estabelecendo os primeiros currais. Eles desbravaram a região Nordeste do país tornando o interior, então desconhecido, em locais habitáveis, com comunidades que se tornaram cidades. Por três séculos esses movimentos no território sertanejo se complementam aos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, mineração e ciclo do gado. Para Queiroz, o segundo momento se dá na segunda metade do século 18, quando são erguidas as primeiras casas de fazenda. Queiroz destaca que a marcha dos vaqueiros exigiu o desenvolvimento de técnicas e procedimentos que possibilitassem desbravamento de caatingas, matas, agrestes, chapadas, cerrados e planaltos à procura de pastos para o gado crescente que já não podia mais ocupar apenas a orla atlântica da Bahia. 

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