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O negro reinventado: a arte como forma identitária

Especiais - 19/11/2010
O negro reinventado: a arte como forma identitária A educação como caminho para o despertar de consciências - Foto: www.bijumanias.files

O Dia da Consciência Negra, para mim, é sempre o dia do negro reinventado. Ao colocarmos em foco a realidade do homem afro-descendente dentro do processo produtivo do Brasil, de forma crítica, sobre as oportunidades oferecidas, ou melhor, guerreadas por homens e mulheres negros nos vários campos da atividade humana, percebemos que há, felizmente, um espaço aberto, sem tantas restrições como no campo das ciências ou ainda, no campo das execuções das políticas públicas:o campo das artes.

O campo das artes, antes, campo dos sonhos, tornou-se, em verdade, a realidade - e ótima realidade -, dos nossos negros que estão presentes, e, fortemente, na música, na dança, no teatro, no cinema, na televisão, no jornalismo, na literatura e por quê não citar o futebol, entre outros tantos esportes que ajudam na construção do negro cidadão, do negro sujeito social. Nesse contexto, as artes aparecem como refúgio e como frente de batalha contra a discriminação social, contra a matança indiscriminada de homens e mulheres, jovens ou não, de cor preta.

Para o afro-descendente que deseja ocupar um espaço na sociedade excludente, a educação, ainda que pela pedra, e todas as artes, se fazem necessárias para que provoquem um despertar de consciência, aquela que levou Zumbi a lutar até a morte, pela independência e liberdade dos negros, assim como outros homens e mulheres negros fizeram e fazem em todo o pais, a exemplo de Emanoel Araujo, artista plástico: Ana Paula Fannon, poetisa e jornalista: Lázaro Ramos, ator e escritor: Sonia Regina Lourenço, escritora: Conceição Evaristo, favelada, escritora: Geraldo Lima, escritor, jornalista: Lilian Maial, escritora: Erhi Araujo. poeta, músico: José Guedes, ator: Antonio Godi, sociólogo, ator: Milton Gonçalves, ator e ativista: Gilberto Gil, cantor, compositor: Gilsan, pedagogo, cantor, compositor: Margareth Menezes, cantora: Dionorina, cantor, compositor e alguns mais antigos, como Mestre Didi, pesquisador da cultura afro-brasileira: Teodoro Sampaio, historiador: Milton Santos, geógrafo, e outros tantos, de representatividade reconhecida.

A população negra do Brasil que vivencia o envolvimento com as artes, sem esquecer de sua relação ativa ainda com a discriminação racial vê, de forma crítica, a sua existência dentro da sociedade brasileira, assim como a necessidade de questionar o seu próprio modelo de vida dentro de cada momento histórico.

O envolvimento do afro-descendente com as artes,que é um grito politizado de vitória, também é o grito de protesto à favor da construção de um espaço a que todos tenham acesso, para que se chegue ao “lugar ao sol”.

A influência do negro está presente no dia-a-dia de todo brasileiro. O negro nosso, caminha, ora trôpego, ora consciente de que a sua luta pelas conquistas sociais, que são humanas, precisa do respeito de todos. E, que todos os negros, favelados, moradores de rua, da classe média ascendente, os trabalhadores braçais, os artistas de todas as áreas, os acadêmicos, legisladores, juristas, enfim, todos, estejam unidos pelo bem do próprio negro, sem apartheid, mas com a força dos ancestrais, ajudem na transformação dos guetos em ventres geradores de consciência viva, na arte viva e de vida que eleve o homem do estado de fragmentação ao estado de ser íntegro, capacitando-o a compreender a realidade e ajudando-o não só a suportá-la como a transformá-la, através da arte, seja ela qual for, pois a arte, ela própria, é realidade social. E, à cada etnia, uma nova determinação se apresenta como um novo contexto...

ÉTNICO

Não sei se discutes a cor filosófica de tua pele.

Não sei se o meu ser negro é igual ao teu.

Sei, apenas, que quero que o teu negror seja meu,

Assim como o meu negror seja teu...

Penso sobre se a nossa pele negra tem gosto

De esperança, ou se já nada espera

E,se assim for, pena que doa, em nós,

Não haver mais esperança!...

Mas, basta-me olhar em teus olhos

Que vem à mente, o desejo de pão,

A lembrança da fome de unificação,

Sabor de um encontro, tom de uma lágrima,

Anseio de satisfação...

Ainda não sei se o meu ser negro é igual

Ao teu, pois há pouco nos encontramos!

Mas, a tua serenidade lembra-me o cheiro

Orvalhado do mato, o cheiro da terra molhada,

A aragem matinal do campo, a força do baobá,

A pétala que brota como magia em flor...

Poderás dizer:-Ah, uma divagação.

E, eu te responderei: -Não, não é divagação.

É a luz do desejável e febril sentimento

Ainda que menos poético do que os poemas de amor.

E ainda assim este é um poema de amor

Que tem o seu próprio respirar e pede solene,

Que sejamos mais do que a nossa pele;

Pede que sejamos o ideal sem interrupções

E que cantemos o valor da vida

Que vai para o verde, vai para a rosa,

Que vai para as nossas dúvidas, nossas perguntas

E que vai para a nossa essência negra...também.

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Cezar Ubaldo é professor, teatrólogo e articulista

Cezar Ubaldo
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