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Facções avançam em Feira e Salvador

Contos e Crônicas - 08/03/2017

É fácil perceber como Salvador está loteada entre as facções que controlam o crime organizado na capital. Nem é preciso sair investigando: naquelas comunidades pobres que margeiam a BR 324 – Bom Juá, Retiro, São Caetano – é possível ver, das janelas dos automóveis, os símbolos das facções pichados nas paredes dos barracos que ficam no sopé dos morros. Aquilo é publicidade, mas também advertência para eventuais adversários.

Nem sempre os avisos intimidam: são comuns as notícias de confrontos entre quadrilhas rivais, que costumam registrar mortos e feridos. Às vezes, moradores em trânsito pelas vielas acabam alvejados pelos projéteis. Reclamar não resolve: naquele emaranhado de becos, verdadeiros túneis de alvenaria, o poder público nunca chega. Nem mesmo a polícia.

A diversidade de facções em Salvador espanta. São pelo menos quatro, conforme divulga a polícia. Uma delas, inclusive, é cria do Primeiro Comando da Capital (PCC), lá de São Paulo. E uma outra – o Comando da Paz – é tão grande e tão pulverizada que seus próprios integrantes se digladiam, disputando territórios do tráfico de drogas pela cidade.

Se as facções regem o submundo nas ruas, é evidente que controlam, também, o sistema penitenciário baiano. Tempos atrás, numa rápida conversa com uma liderança dos agentes penitenciários, ele me explicou que, na triagem dos presos que ingressam no sistema penal, o bairro de origem e a facção predominante são os critérios que definem o destino do novo interno.

Na orla do Rio Vermelho é arriscado aventurar banho de mar. É comum, ali, integrantes da facção que controla o entorno picharem muros e as próprias escadarias de acesso à praia. Os vulgos das lideranças também emolduram postes e acessos às comunidades pobres do entorno. Servem de aviso.

E Feira de Santana?

Quem anda atento pela Feira de Santana também vê muros pichados. E, com o auxílio de um mapa, boa memória e alguma perícia, consegue traçar as áreas dominadas por determinadas facções. Uma delas, presente na Rua Nova, domina boa parte do centro da cidade e até um pedaço da Queimadinha. A passarela que liga o Terminal Central ao Centro de Abastecimento, por exemplo, está pichada numa das colunas.

Há quem relativize, enxergando nas pichações galhofa de maloqueiros. Algumas, talvez, sejam. Outras, pintadas nos acessos de determinados bairros, reforçadas com as iniciais de quem domina as cercanias, aproximam-se dos padrões empregados em cidades como Salvador. É um preocupante sintoma de que, mais que tentativas retóricas de intimidação, essas organizações, aos poucos, vão afinando seu modus operandi.

A sangrenta rebelião que resultou em pelo menos nove mortes no presídio da Feira de Santana, há quase dois anos, foi provocada pelo confronto entre duas facções. É improvável que, hoje, exista algum bairro periférico que já não esteja sob a influência de integrantes de alguma dessas facções. No mínimo, existem quadrilhas de traficantes simpáticos a alguma organização.

Novos desafios

Salvo quando presos são decapitados em rebeliões sangrentas, ninguém se ocupa com o tema no dia-a-dia. A inquietação com a questão, porém, deveria ser crescente. Adolescentes e adultos jovens, armados com revólveres ou pistolas, sobrevivendo do tráfico ou de assaltos a transeuntes, já não se dedicam ao crime isoladamente. Teias vêm sendo tecidas nos últimos anos, absorvendo-os.

A rigor, o intercâmbio ainda é simples: abrigo a um foragido, resistência a inimigos comuns, parceria nalguma ação armada, normalmente assalto. Com o tempo, as identidades se fortalecem, as parcerias evoluem com benefícios mútuos e o domínio territorial se amplia. Se as áreas nas quais a polícia não entra ainda não são tantas, lá adiante podem se ampliar, cobrindo largas regiões densamente populosas.

As parcerias podem se traduzir, também, em formas mais violentas – e mais sofisticadas – de atuação, ampliando as fissuras já visíveis nos espaços urbanos de grandes e médias cidades. Pessimismo? Devaneio? Pregação apocalíptica? Durante décadas os governantes paulistas consideraram o PCC um grupelho. Deu no que existe hoje, no sistema carcerário e nas ruas. Já existem, portanto, precedentes para as visões tidas como pessimistas.

André Pomponet
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