- Eu vou embora, não vou me prestar pra este papel! Todo mundo olhando e você aí cheirando esta porcaria!... – disse a moça, abandonando o namorado. Ele, fora da realidade, tentou apoiar o corpo num isopor de cervejas e saiu tropeçando até bater as costas num compensado que forrava um dos equipamentos da festa. Ela sumiu na multidão e o drogado ficou vendo uma luz intermitente que reverberava no canto do olho direito, sentindo uma sensação de “dejá-vu”, os pés mal tocando o chão. Tirou o lenço do nariz, olhou em volta com olhar vidrado e imbecil, rindo descontroladamente. Começou a andar, sem destino, como autômato, sendo evitado pelos passantes. Sentindo que poderia desmaiar,cair ali mesmo, arrastou-se até uma rua lateral e sentou-se, encostado a uma parede, à espera da retomada de consciência. Adormeceu.
Mais tarde, a cabeça confusa, sentiu a sensação gostosa de que estava ganhando um beijo. Abriu os olhos e deparou-se com um cão que lhe lambia a boca. Escorraçou-o e levantou praguejando e limpando a boca com nojo. Olhou em volta, tentou melhorar a aparência, ajeitando-se como pode. Retornou ao ambiente da festa, o dia já amanhecendo. Parou na primeira barraca de cachorro quente, meteu a mão no bolso e sentiu que foi roubado. Resolveu, então, ir para casa.
- Alicinha, chama aí a Moema ...
- Tá, um instantinho que eu vou chamar....
Depois de algum tempo de espera:
- Ela mandou dizer que morreu. Nunca mais quer lhe ver – e a irmã desligou o telefone na cara dele.
Naquele dia foi para a avenida sem a namorada. Passou um trio elétrico arrastando a multidão e ficou a sensação de abandono, ele querendo encontrar alguém com quem se enturmar, sem sucesso. Por trás de uma das barracas percebeu uma roda de dominó e aproximou-se. Um dos homens, dizendo que ia “dar um rolé”, ofereceu o lugar a Tomás. Este começou a jogar e quase esqueceu da festa. Em determinado momento, porém, olhando distraidamente a multidão, viu passar Moema com o Salomão. Ficou lívido, estático, observando os dois sumirem.
Um dos jogadores chamou a sua atenção:
- Ei, cara, é sua vez de jogar! Que distração é esta? Tá maluco, bicho?! - foi o bastante para aborrecê-lo de vez: levantou-se de chofre e jogou para o alto o tabuleiro de jogo. Abrindo passagem aos safanões, aproximou-se do casalzinho por trás e numa atitude traiçoeira, puxou o ombro do rapaz dando-lhe, de surpresa, uma bofetada. A moça gritou e, antes que o agressor pudesse dar o segundo golpe, já estava seguro pela “turma do deixa disso”. Salomão, refeito do susto, com o rosto vermelho, espumando de ódio, acertou, de surpresa, um soco no rosto do desafeto, quebrando-lhe o supercílio. A moça esqueceu toda prudência e pegou o ferido pelo braço levando-o, antes que a policia chegasse, à procura de um posto médico, tratando de acalmar o companheiro. No posto, tiveram o atendimento e um policial sonolento quis fazer a ocorrência, mas Moema, alisando os cabelos do namorado, garantiu que, na passagem de um trio, o rapaz, empurrado pela multidão, bateu acidentalmente o rosto numa quina de barraca. Desculpa aceita, os dois saíram abraçados.
- Tomás, você promete que não cheira mais aquela coisa?
- Se preocupe, não, nega. Você sabe, né?! Vai depender das cachaças! – disse o rapaz, dando um beijo na testa da moça e acariciando o rosto amado para encerrar o assunto.
Os dois olharam-se nos olhos, riram despreocupados, e beijando-se de leve mergulharam na iluminação feérica, à procura de um trio elétrico...
Eduardo Kruschewsky