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Sandro Penelú

“Relendo cartas de Tião Pereira”

08/03/2012

 

Em outubro de 1997, o saudoso Tião Pereira (o maior incentivador cultural de Feira de Santana) escreveu-me de São Paulo, cidade para onde foi, tentando conseguir o reconhecimento não obtido em sua terra, Feira de Santana.

 O destino só lhe daria mais três anos de vida e a morte o arrebataria sozinho, desiludido, frustrado, ensimesmado...

Acompanhe, na íntegra, o teor da carta:

“Olha, Sandro, São Paulo continua fria e molhada, mas é a mais movimentada, a mais bonita cidade do Brasil. Isso, depois de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Salvador...

São Paulo é a mais bonita cidade feia do país. Mas, deixemos esses pormenores de lado. Estou desempregado, mas não quero me entregar.

Uma coisa aqui está funcionando bem, culturalmente: temos muitas opções de shows e espetáculos gratuitos, promovidos pela Prefeitura de São Paulo. O Coral Paulistano me emocionou muito, tanto no popular quanto no erudito e sempre temos uma ópera ou um concerto maravilhoso.

No Rio de Janeiro, quando lá cheguei, chovia a cântaros e nada vi nem sei, salvo que a chuva era muito fria. Cheguei então a Sampa para outros problemas. Mudei-me e agora estou aqui, Deus sabe até quando e como.

Olha, Sandro, é incrível, mas as noites de São Paulo ou eu ainda não as descobri ou sinto muitas saudades de Feira. Aí, ao menos, numa ou noutra casa podemos ouvir boas músicas aos acordes bem executados por nossos grandes artistas. Aqui, o que prevalece é o axé, o pagode e o teclado. E o repertório...

No rádio (AM ou FM) é tudo igual, como aí. E, salvo as rádios Cultura AM e a Musical FM, nada faz a diferença.

Quando possível for, mande-me alguns discos, pois vejo amplas possibilidades de tocá-los nestas emissoras.

Outros projetos também pretendo levar em frente, mas não sei como ainda.

Outrossim, gostaria imensamente de derramar meus barris e embriagar-me na doçura da beleza assumida de nossas meninas feirenses.

Oh, saudade; saudade dos meus sonhos. Dos sonhos da minha saudade; da saudade da saudade. Dos sonhos que nem sonhei.

Oh, saudade; saudade dos meus tempos; de quando sequer tinha tempo, independente do tempo de ter tempo de saudade.

Lembrança a todos daí e um grande beijo em todas as lindas garotas que perguntarem por mim (ou não), mas que simplesmente sejam lindas”.

                                        (Tião Pereira)

São Paulo, outubro de 1997

 

**Tião Pereira foi bacharel em Ciências Contábeis, além de poeta, compositor, ator, romancista, teatrólogo, professor e jornalista, tendo mantido durante onze anos o único jornal da cidade exclusivamente voltado para a divulgação e valorização dos nossos artistas.

Desencarnou em 26 de maio de 2000, na cidade de São Paulo, onde pretendia realizar os seus sonhos e projetos.

Aqui em Feira, nenhum espaço de cultura foi batizado com o seu nome...

Sandro Penelú