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André Pomponet

Um pouco da simetria do centro feirense

26/10/2011

Uma das maiores virtudes da Feira de Santana é o seu traçado urbano. As ruas largas e os quarteirões bem organizados transmitem uma sensação de planejamento que é realçada por um feliz fator geográfico: a escassez de ladeiras e a ausência de declives acentuados, como as encostas que tornam Salvador mais feia. Essa condição atenua os efeitos da ocupação desordenada de certos espaços urbanos e impede a ocorrência de grandes tragédias, como os deslizamentos de encostas que acontecem em períodos chuvosos.

A cidade deve o traçado organizado, além do próprio planejamento bem elaborado, ao seu desenvolvimento tardio: somente a partir dos anos 1960 é que a zona urbana começou a se expandir de forma mais acelerada. Até então, a população majoritariamente rural afetava pouco a paisagem citadina com fluxos migratórios mais intensos.

Naquela época a Feira de Santana se limitava aos tímidos arruamentos que se irradiavam a partir da Praça da Matriz e que foram, aos poucos, dando forma aos becos estreitos que até hoje existem. Mais perto da igreja estão os becos de Santana, do Mocó e da Energia.

Mais distante fica o calçadão da Sales Barbosa, a antiga rua Direta cujas formas são herança dos tempos em que havia poucos carros em circulação pela cidade. Exclusivamente comerciais, esses espaços hoje sofrem com o fluxo intenso de pedestres e com as dificuldades de acesso para quem se locomove de carro e não tem onde estacionar.

Ruas largas 

Bairros limítrofes do centro feirense como a Kalilândia contam com ruas largas, ausência de curvas e quarteirões verdadeiramente quadrados. Essa cuidada geometria urbana é mais apreciável nos dias de pouco movimento, como as ensolaradas manhãs de domingo ou nos feriados, quando os automóveis repousam nas garagens.

Em meio aos inquietos silêncios dessas manhãs, é possível enxergar o horizonte longínquo que, à medida que o meio-dia se avizinha, vai se tornando trêmulo em meio às ondas de calor que se desprendem do asfalto.

Nesses dias a Feira de Santana nem se parece com a Feira de Santana do mercadejar incessante, do intenso ir-e-vir dos passantes apressados, dos produtos apregoados pelos carros de som e pelos alto-falantes nas portas das lojas. Paira, precária, uma trégua fugaz, como o vento que sacode as folhas nas árvores da Getúlio Vargas.

Rotina

A rotina do centro feirense, no entanto, vai se impondo nos pequenos detalhes. Ali pelo calçadão da Sales Barbosa há sempre um ambulante arrumando uma barraca, uma lixadeira escandalosa nas mãos do serralheiro que cuida da fachada de uma loja ou taxistas e motoqueiros que aguardam passageiros incertos nos pontos.

Esse é o centro nervoso da Feira antiga, cuja vocação comercial não se suaviza nem nos dias em que o feirense bebe nos botequins dos bairros, acompanha os rituais religiosos com roupas formais ou simplesmente se dedica à programação televisiva enquanto aguarda o almoço.

No mais, as ruas largas e longas espicham-se em meio ao calor crescente, perdendo-se na linha imaginária do horizonte urbano. Para quem caminha despretensiosamente pelo centro da Feira de Santana, essa a é única linha incerta no simétrico traçado urbano da cidade.       

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 André Pomponet é jornalista e economista

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