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André Pomponet

A tirania dos telefones celulares

25/08/2011

Antigamente, quem embarcava nos ônibus que faziam o transporte de passageiros deparava-se com um aviso mais ou menos assim: “É proibido o uso de aparelhos sonoros no interior desse veículo”. A mensagem mencionava o número da lei e a pena prevista para quem a descumprisse. A frase figurava numa placa de metal fixada em local bem visível nos ônibus. Sabe Deus a origem da iniciativa, mas o fato é que, aos poucos, o aviso foi se tornando menor e, por fim, desapareceu dos ônibus mais novos.

Como há coisas que acontecem de forma cíclica na vida, o aviso deveria ser ressuscitado. A emergência dos aparelhos de telefone celular multifuncionais – que inclusive tocam música para desespero dos ouvidos mais sensíveis – exige o resgate de normas de etiqueta e, se necessário, o constrangimento do aviso legal.

Os celulares hoje ocupam posição central na vida das pessoas, sobretudo no Brasil, onde caiu no gosto popular. Além de facilitar a comunicação durante deslocamentos ou oferecer a comodidade de uma conversa reservada, o celular disponibiliza horas, jogos, acesso à Internet e, principalmente, músicas que deveriam ser ouvidas com fones em espaços públicos.

Nos ônibus é muito comum ouvir em volumes constrangedores arrocha ou pagode – dois dos mais deploráveis produtos legados pela música comercial nos últimos anos – enquanto alguns bradam ao telefone e, não raramente, outros “testam” dezenas de toques diferentes para escolher qual o que mais lhe agrada.

Invasão

 

O uso do celular não se limita, porém, ao intervalo ocioso das viagens de ônibus. Invade os horários de almoço e desembesta em conversas que estragam qualquer refeição – o do interlocutor e o do “ouvinte solidário”, que pragueja, porque a ciência não evoluiu o bastante para desenvolver algum aparelho que permita desligar os ouvidos em momentos de conversas pouco convenientes.

Já testemunhei, num restaurante, um cidadão justificar o fim do noivado por causa de chifres postos pela noiva numa viagem a trabalho para Belo Horizonte, com o chefe. E, mais recentemente, vi uma criatura debater delicadas questões familiares entre uma garfada e outra, com gestos iracundos.

Num ônibus lotado, um cidadão detalhava como pretendia encerrar o casamento que naufragava, confessando-se até feliz em arcar sozinho com o débito que a mulher lhe legara num cartão de crédito, desde que o casamento se desfizesse. Para pasmo dos ouvintes, pouco depois a ligação se encerrou e o cidadão, sereno, parecia ter exposto suas intimidades numa conversa privada.

 

Limites

 

Essas situações se repetem todos os dias, em muitos espaços públicos. Mais do que simples falta de educação ou de decoro por expor em público a própria intimidade, essas cenas mostram como o celular vem se tornando um tirano na vida das pessoas. Onipresente e onipotente, escraviza; com um simples toque impõe uma obediência cega e sem restrições.

Noutras épocas, vivia-se sem a angústia da subordinação aos aparelhos que exigem atenção permanente. Hoje é necessária conexão integral com equipamentos digitais, embora a maioria das pessoas não saiba exatamente o porquê. A primorosa educação moderna busca formar, apenas, consumidores; pensar sobre o que se faz é ocioso e retarda o giro vertiginoso da roda consumista.

À falta de coisa melhor pra mostrar, a televisão esmera-se em exibir, como grande atração, o cotidiano das pessoas em incontáveis reality shows. Nos ônibus superlotados que fluem para as periferias das grandes cidades nos finais de tarde o cidadão que expõe a própria vida numa conversa ao celular  talvez tente, inconscientemente, reproduzir o que enxerga na televisão. Afinal, o show não pode parar...

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André Pomponet é jornalista e economista

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