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André Pomponet

A busca pelas ovelhas perdidas

16/08/2011

Ao contrário do que muita gente imagina, o número de pessoas que se “convertem” às chamadas igrejas evangélicas desacelerou ao longo da última década no Brasil. Entre 2003 e 2009, por exemplo, algumas denominações religiosas declinaram em quantidade de fieis, apesar de todo o estardalhaço que se faz pelas ruas, nos locais de trabalho e – sobretudo – nas emissoras de rádio e televisão. Os chamados evangélicos – ou “cristãos” na terminologia fundamentalista que alguns adotam para excluir todos os que não “oram” na mesma cartilha – praticamente estagnaram em cerca de 25 milhões de pessoas. Os dados são do IBGE.

O fenômeno mais curioso, além da estagnação relativa, é o caráter “antropofágico” da expansão de algumas organizações: crescem às custas dos rebanhos de outras que, por sua vez, reforçam o aprisco com simpatizantes de uma terceira igreja que vai acabar precisando elevar os louvores ao Senhor se não quiser, ela mesma, ver minguar o sacrossanto dízimo.

A relativa escassez de dizimistas acirra a competição e força a adoção de estratégias que não se diferenciam muito da feroz concorrência capitalista que alguns condenam ao fogo do inferno. Até a ciência pagã se incorpora ao leque de estratégias: não faltam diligentes pastores, bispos, diáconos – ou outras denominações arrebatadas da Igreja Católica – queimando as pestanas em cursos de psicanálise por correspondência, tentando entender e dominar a mente do fiel.

Curioso, no entanto, é o exercício desse cristianismo à brasileira: 5,4 milhões de pessoas declaram-se evangélicas, mas não se vinculam a nenhuma igreja (crescimento de 329% em relação a 2003). Esse fenômeno não deixa de indicar que as pessoas estão mais preocupadas em viver a própria espiritualidade do que se vincular a algum credo e enfrentar externalidades como a fúria fundamentalista ou os incessantes apelos pelo dízimo, ou, mais simplesmente, os gritos histéricos ou o canto desafinado nalgum culto.

 

“Milagres”

 

O crescimento modesto do número de fieis – os que se declaram sem religião no Brasil cresceram 42% desde 2003 – contrasta com um processo avassalador: a expansão dos programas religiosos na televisão aberta. Em alguns momentos, chega a ser sufocante o infindável suceder de programas que exaltam Jesus e cobram o dízimo, não necessariamente nessa ordem.

A escassez de fieis impõe a adoção de estratégias mais agressivas para amealhar seguidores. Já vi surdo-mudo curado, mas falando fanho (o que demonstra que o “milagre” não foi completo), vi curados do vício do crack (algo até banal) e incontáveis empresários que prosperaram, ficando ricos. No conjunto, nem Jesus Cristo fez tanto.

Os discursos tornaram-se tão sofisticados que se segmentam por classe: pro pobre, tem o discurso da prosperidade; pra quem é classe média, o discurso da superação das dificuldades materiais e dos problemas familiares; pro rico, foi feito sob encomenda o discurso de uma vida com bens materiais, mas vazia sem Jesus no coração.

 

Joio e trigo

 

É claro que nem todas as denominações – algumas são igrejas de fato e não meramente seitas – avançam despudoradamente sobre a algibeira do fiel. Mas boa parte do discurso sobre o avanço “cristão” esconde interesses menos elevados: ânsia pela fortuna fácil, poder e influência política ou até mesmo o radicalismo de quem se dedica a uma leitura literal e pouco reflexiva sobre a Bíblia. Há quem pregue de olho no título eleitoral do fiel.

A partir da metade da década passada, o Brasil passou a viver um período de crescimento econômico que não experimentava há uns 25 anos. Era óbvio que, quando o país superasse os problemas econômicos que o afligiam, a corrida aos templos perderia fôlego. É o que acontece hoje, replicando algo que se verifica em outras partes do mundo.

Dias atrás vi um pastor anunciando que a comunidade evangélica no Brasil alcança “40 ou 50 milhões de pessoas, quiçá 60 milhões”. Os dados divulgados pelo IBGE desmentem a estimativa, que deve figurar no mesmo anedotário dos milhares de “milagres” que se sucedem, todos os dias, em algum canto do país...  

André Pomponet é jornalista e economista                

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