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André Pomponet

A peleja dos “moristas” contra os acólitos do “mito”

25/04/2020

Confesso que pretendia, nesta sexta-feira de tempo instável, escrever sobre a Micareta feirense. Ou sobre a não-micareta, já que a festa foi adiada em função da pandemia do novo coronavírus. Forjara, até, um título ambicioso: “Crônica da Micareta que não aconteceu”. Remoía a dúvida se, em algum momento, no passado, a Micareta chegou a ser adiada. E até já acalentava ambições históricas: figurar como o primeiro cronista a destrinchar o fato sob uma ótica que não cheguei a definir. Fui, porém, atropelado por fatos mais candentes.

Como todo mundo sabe, não há nenhuma novidade relacionada à pandemia de Covid-19 no Brasil. Os hospitais das grandes metrópoles já estão superlotados, os mortos somam-se às centenas a cada dia desde o começo da semana e o brasileiro insiste em retomar a rotina como se nada estivesse acontecendo: nada disso é novidade nos últimos tempos.

A grande novidade do dia foi o desembarque do ministro da Justiça, Sérgio Moro – o ex-todo-poderoso que detinha carta branca – do governo de Jair Bolsonaro, o “mito”. Em pronunciamento pela manhã, o agora ex-ministro fustigou o ex-chefe e confessou um pecadilho: requisitara ao chefe uma “pensão” para sua família, caso morresse em função do exercício do cargo. Afinal, deixaria para trás 22 anos de magistratura.

À tarde, na réplica, o “mito” foi o “mito”: gaguejou, divagou, errático, repisou chavões, foi vago e confuso como sempre e, por fim, reiterou suas surradas disposições patrióticas. Não deixou de desfechar ataques rasteiros contra o ex-ministro. Mas disso todo mundo já desconfiava. Ladeando o “mito”, os ministros com feições taciturnas, olhares compridos e, obviamente, nenhum sorriso. Aqueles semblantes atestavam a gravidade da crise.

Sérgio Moro é – visivelmente – pré-candidato à presidência da República. O “mito”, por sua vez, quer preservar o butim, que é bojudo. A convivência conveniente entre “moristas” – a turma do ex-ministro – e bolsonaristas – os acólitos do “mito” – acabou. Os entusiastas do primeiro saíram atirando via mídias sociais e, pelo que percebi, os adeptos da seita herética do “mito” estão catatônicos. Mantiveram o silêncio o dia inteiro, talvez aguardando orientação do afamado “gabinete do ódio”.

Imagino que, a essas alturas, o leitor talvez julgue que os três parágrafos anteriores foram desperdiçados: as notícias correram feito rastilho de pólvora e todo mundo já está sabendo do sururu. Talvez fosse mais útil tentar cavoucar novidades da pandemia na Feira de Santana ou – quem sabe? – ir forjando as frases da crônica sobre a não-micareta. Até fico inclinado a concordar.

Mas não contenho o impulso de inspecionar os escombros do governo do “mito”, que se avolumam a cada dia. Parece que a deplorável era Jair Bolsonaro viveu, hoje, um capítulo decisivo. O ex-capitão, a cada dia, está mais isolado. Resta, a seu lado, só aquela claque, patética, que foi às ruas domingo. Só que, enquanto não cai, o “mito” contribui, decisivamente, para o avanço do Covid-19 no País.

É bom não se entusiasmar com a conflagração nas facções de extrema-direita que sustentam o “mito”. Primeiro porque, nesse arranca-rabo, não existem mocinhos. Segundo porque, enquanto eles se digladiam, o novo coronavírus avança matando gente Brasil afora, sob a indiferença dessas pretensas autoridades...

André Pomponet