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André Pomponet

Sob o caos, Brasil não atrairá investimentos

23/05/2019

Dizem os oráculos econômicos do novo regime que, quando as cabalísticas reformas forem aprovadas, os investimentos fluirão num fluxo incessante. O Brasil vai se tornar uma espécie de paraíso celestial no plano terreno mesmo. Se brincar, dos céus se desprenderá o maná. Sobretudo porque, à frente do País, há um cidadão ungido pelo próprio Todo-Poderoso. Pelo menos foi o que assegurou um pastor congolês no final de semana.

Essa fantasia talvez enleve os acólitos mais fanatizados do novo regime. Só que funciona pouco no convencimento dos financistas estrangeiros, os donos do capital que tanto se deseja atrair. No início do governo, por exemplo, eles não se entusiasmaram com o discurso do controverso Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que empolgou os mais desavisados. As razões para a cautela estão se avolumando.

Domingo (26), simpatizantes pretendem fazer uma manifestação de apoio ao novo regime. A pauta rendeu uma balbúrdia dos diabos: uns defendem uma extensa agenda propositiva – reforma da Previdência, pacote anti-crime, etc – e outros, ensandecidos, pretendem fustigar deputados, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e não faltou quem defenda até que o Congresso Nacional seja sitiado.

Isso é rotina de república de bananas – ou de laranjas, no caso do Brasil contemporâneo – e nenhum empresário sensato vai enfiar seu capital num ambiente conflagrado desses. Hostilizar parlamentares e juízes é só o primeiro passo. Adiante podem resolver caçar “comunistas” – para essa turma, o conceito é bem elástico e pode alcançar qualquer um – e, depois, desavisados impenitentes que não se dobrem em reverências ao regime.

Nenhum país com a rotina política do Brasil atual é atrativo a investimentos. Afinal, as perseguições podem começar pelos desafetos, abocanhar adversários e, lá adiante, até alcançar os donos do capital que não joguem o jogo do regime. A História é prenhe de exemplo do gênero, sobretudo na América Latina. E, caso a insanidade não seja repelida, pode se tornar o futuro do Brasil no médio prazo.

O discurso oficial acena com um futuro próspero – digno desses milagres que se veem nas televisões – desde que segmentos específicos da população sejam rechaçados, na eterna, rasteira e maniqueísta dicotomia entre o “bem” e o “mal”.

Os donos do dinheiro, evidentemente, não se fiam nisso. Mas muitos fanáticos, aqui dentro, apostam no caos como estratégia para chegar à “Terra Prometida” da família no poder. É bom – sobretudo quem está à frente das instituições – não menosprezar esses movimentos. Depois dos últimos desastres políticos, isso também está se tornando possível...


Semana tensa para a democracia no Brasil


A semana começou com o País vivendo uma situação singular: há décadas não se vê convocação para uma manifestação defendendo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). É o que noticia a imprensa. O pior é que o chamado vem de gente que apoia o atual presidente da República, o polêmico Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O ato está previsto para o próximo domingo, 26. Se não insufla, a família aboletada no poder não desencoraja suas milícias digitais contra o Legislativo e o Judiciário.

Pelo jeito, os Bolsonaro querem replicar o ato de 15 de maio, que mobilizou pelo menos um milhão de pessoas em todo o Brasil, contra os cortes na educação e em repúdio à reforma da Previdência. Só que, atacando poderes constituídos, não se trata só de uma reação, de um esforço para demonstrar apoio popular. Trata-se de uma aposta contra a própria democracia.

Ano passado, no período eleitoral, conversei com dezenas de pessoas sobre a situação política brasileira. Praticamente todo mundo apostava que, caso não conseguisse governar, Bolsonaro e sua ala ideológica tentariam rifar o Congresso e governar como aquilo que, no fundo, ele é: um autocrata. O roteiro, pelo jeito, não é o mesmo do passado, mas a disposição autoritária é idêntica.

A iniciativa gerou discordâncias entre a própria gente do governo. Deduzo que alguns – movidos por um ódio cego ao petê – não conseguiram enxergar em quem estavam depositando suas esperanças. A realidade não tardou a se impor, implacável. E o descalabro jorra aos borbotões no noticiário, todos os dias, conforme qualquer um pode constatar.

A sensação psicológica é de fim de governo, mas, cronologicamente, o desastre está só no começo. Faltam, ainda, intermináveis três anos e sete meses. O “parlamentarismo informal”, no qual alguns se fiam, não vai dar certo, porque arranjos do gênero são inviáveis. É mais retórica, fruto do desespero que, propriamente, uma alternativa colocada à mesa. Mesmo que haja, aí, um louvável esforço pela sensatez.

Tudo indica que a semana vai se arrastar, sob elevada tensão, enquanto as milícias digitais se equipam, arreganham os dentes e prometem, carbonárias, fustigar deputados e membros do STF. Investem no radicalismo apostando numa ruptura que lhes seja supostamente favorável: a ampliação dos poderes de Bolsonaro e, por tabela, dos seus filhos.

Quem rifa o próprio destino se dispondo a sujeitá-lo às idiossincrasias dessa família adota postura temerária. Mas vivemos tempos temerários há cerca de meia década. E, sempre, descendo a ladeira...

André Pomponet