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André Pomponet

Mulheres e jovens dão o tom da manifestação em Feira

19/05/2019

As mulheres foram as principais protagonistas do primeiro ato contra o governo de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) aqui na Feira de Santana hoje (15). Organizadores e parte da imprensa estimaram em cinco mil o total de manifestantes. A maioria era do sexo feminino: professoras, estudantes, sindicalistas, servidoras de escolas e universidades públicas, mães com filhos pequenos, avós com cabelos alvos, mas, sobretudo, jovens que, em muitos casos, estão apenas na segunda década de vida. Replicam o padrão do “Ele não”, um dos principais fatos políticos das eleições presidenciais do ano passado.

Dois objetivos nortearam os protestos que aconteceram em mais de 160 cidades brasileiras: a luta contra o corte de verbas para a Educação – não foram apenas as universidades que sofreram redução, ao contrário da mentira propagada por muita gente – e a firme rejeição à proposta de reforma da Previdência que tramita na Câmara dos Deputados.

Aqui na Bahia, houve um ingrediente adicional: foram muitos – e incisivos – os protestos contra a política salarial do governo Rui Costa (PT), que não concede reajuste linear ao funcionalismo há quatro anos. Os cortes nos orçamentos das universidades estaduais replicam o padrão adotado em Brasília, afirmaram manifestantes. Os professores universitários baianos, inclusive, estão em greve e tiveram os salários do mês de abril cortados.

Sobrou também para o prefeito Colbert Martins, que figurou entre os alvos dos protestos, sobretudo dos professores da rede municipal. A artilharia, portanto, foi democrática – e justa – alcançado os chefes do Executivo das três esferas. O direito à educação com qualidade foi uma reivindicação de boa parte dos oradores que se sucederam sobre o mini-trio elétrico.

O percurso foi extenso e provocou paralisação parcial de boa parte das vias do centro da cidade: Praça Tiradentes – aquela do Instituto Gastão Guimarães –, avenida Getúlio Vargas, rua J. J. Seabra e avenida Senhor dos Passos figuraram no trajeto, que culminou com mais protestos no estacionamento da prefeitura. Foi visível a simpatia de quem acompanhava o ato nas calçadas.

Defronte à Câmara Municipal, muitas vaias. Nenhum vereador apareceu para apoiar o movimento. Pelo contrário: o desdém da atual legislatura replica o modus operandi de legislaturas anteriores. Desta vez não houve tapumes róseos, mas policiais militares foram mobilizados para garantir a integridade de quem estava na “Casa da Cidadania”. Alguém comentou, de forma jocosa:

- Devem estar debruçados sobre o projeto escola sem partido...

Um vendedor de milho, ali na rua Carlos Gomes, reforçava o coro do “Fora Bolsonaro”. Mais adiante, chateado, um ambulante reclamava que já queriam “impeachment para Lula voltar”. Quem estava em volta fingiu que não ouviu o comentário: ambulantes que seguram o rojão num país cuja economia não reaquece, apesar das sucessivas e frustradas promessas.

Além da presença feminina, foi muito ostensiva a presença de jovens. Uns trajando preto, muitos com adesivos, bandeiras, apitos e a irreverência típica da idade. Limitado e incompetente, Bolsonaro conseguiu atiçar as ruas – sobretudo os jovens – que costumam ser adversários temíveis. Foi assim em 2013, quando o petismo desdenhou das multidões.

E, em 14 de junho a coisa deve ferver, porque está programada greve geral...


Governo dobra aposta contra universidades públicas


O calamitoso governo Jair Bolsonaro (PSL-RJ) resolveu dobrar a aposta contra as universidades públicas. Depois das monumentais manifestações de ontem (15), contra a reforma da Previdência e os cortes orçamentários na Educação, ontem mesmo veio mais uma medida. Os reitores – eleitos pela comunidade acadêmica – não poderão mais indicar, livremente, pró-reitores, diretores de centro e campus. Isso veio por meio de decreto publicado no Diário Oficial da União.

Haverá filtros para selecionar essa gente, cujo aval vai depender da Casa Civil: “O sistema integrado de nomeações (...) fará pesquisa à Controladoria Geral da União e à Agência Brasileira de Inteligência do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República”. A data de início da vigência foi fixada no próximo dia 26 de junho.

A medida provavelmente escancarará as portas das universidades para aboletar todo tipo de exotismo: gente que crê em terra plana, ardorosos combatentes do “marxismo cultural”, iluminados pensadores que enxergam o nazismo à esquerda e até sábios que sabem recitar a fórmula da água ou que decoraram a tabuada na íntegra. Isso para não mencionar, claro, aqueles que exaltam o período idílico da ditadura militar.

Por outro lado, os filtros ideológicos vão expurgar a gente suspeita de comunismo – um conceito muito elástico na visão dos que se aboletaram no poder – e de inúmeras perversões, como a refutação do “criacionismo” ou a classificação da ditadura militar como aquilo que foi: ditadura. Mérito acadêmico ou gerencial – nem precisa comentar – não figurará entre os critérios de avaliação.

É difícil não enxergar nisso mais que um gesto autoritário: é disposição ditatorial mesmo, quiçá totalitária. Em sociedades sadias isso nem seria refutado, porque governantes comprometidos com a democracia jamais proporiam tamanho absurdo. Aqui, não: certamente avultarão defensores, adeptos entusiastas do “nós contra eles” que o novo regime alimenta com sofreguidão.

As manifestações – certamente mais de um milhão de brasileiros compareceu às ruas em mais de 200 cidades brasileiras – acenderam uma centelha de esperança em relação a esses absurdos. Por outro lado, a rejeição ao mandatário do Vale do Ribeira cresce sistematicamente desde a posse. E, no Congresso Nacional, nada anda graças à compacta incompetência dessa gente.

Isso não impede, porém, o desmanche da administração pública, a precarização dos serviços públicos e retrocessos em temas como o meio ambiente. Mas os atos desabrocham a expectativa de uma resistência consistente e organizada contra os desmandos que se avolumam.

Lembro-me do poeta e dramaturgo Bertolt Brecht: levaram os negros, os operários e os miseráveis; e o cidadão ficou indiferente, porque não era com ele. Depois ele próprio foi levado. É a mesma situação das universidades públicas hoje no Brasil: quem achar que não é consigo e não se mexer pode aguardar que sua vez vai chegar...



Bolsonaro será cabo eleitoral de Cristina Kirchner



Mais uma vez a Argentina enfrenta uma turbulenta crise econômica. Maurício Macri, o festejado presidente liberal que sucedeu a família Kirchner, não engrenou no poder. A promessa de inserir o País num novo ciclo prosperidade não saiu do papel. A pobreza cresceu assustadoramente nos últimos anos, os preços sobem de maneira vertiginosa e a insatisfação da população é crescente. Manifestações se sucedem, antecipando o clima das eleições que acontecem em outubro.

Cristina Kirchner – a ex-presidente populista que deixou o posto há apenas quatro anos – desponta como favorita nas pesquisas até aqui. A virada liberal que alguns anteviam há quatro anos na América do Sul talvez sofra um severo revés no país platino, um dos mais relevantes do continente.

Para complicar, Kirchner vai contar com um respeitável cabo eleitoral às avessas: Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o mandatário do Vale do Ribeira, que não para de meter o bedelho nas eleições do país vizinho. Governando o Brasil da arquibancada – como um despreocupado palpiteiro – sobra-lhe tempo para levar adiante sua cruzada ideológica até mesmo aos países vizinhos.

Com certeza o apoio de um entusiasta da ditadura militar e da tortura – chagas terríveis na História argentina, jamais cicatrizadas – como Jair Bolsonaro não fará bem à recandidatura de Maurício Macri, cuja gestão enfrenta revezes. E, examinando o descalabro gerencial brasileiro, os argentinos terão um motivo adicional para carrear votos para a oposição.  Afinal, ninguém quer para si o que se vive aqui.

Caso sinceramente torça pela ascensão liberal na América do Sul, o mandatário do Vale do Ribeira precisará calar a boca e não interferir na política de países vizinhos. E começar, de fato, a governar o Brasil, caso tenha alguma capacidade para fazê-lo, o que parece cada vez mais improvável. Tudo indica que nenhuma das condições será atendida e Bolsonaro seguirá desfilando, bufão e histriônico, em controversas viagens internacionais.

A visita aos Estados Unidos, por exemplo, foi um vexame bancado pelo contribuinte brasileiro. Em Dallas, foi alvo de um abaixo-assinado de repúdio dos vereadores locais, forçou um constrangedor e imprevisto encontro com o ex-presidente George Bush, o filho, e justificou a viagem para receber uma medalha com um almoço perfeitamente dispensável.

Caso prossiga fustigando Argentina e Venezuela vai contribuir não apenas para o retorno de Kirchner ao poder, como ajudará a sustentar Nicolás Maduro no posto. Tempos atrás, numa pendenga com o governo petista, uma autoridade de Israel classificou o Brasil de “anão diplomático”.

Ironicamente, é Jair Bolsonaro, tão reverente à nação judaica, que vai converter a frase em profecia realizada...

André Pomponet